quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Bar Celona

Por um tempo morei numa cidadezinha do interior com cara de bairrinho, lama vermelha no chão e soja nas extremidades. No caminho da escola passava na frente de um boteco chamado "BAR-CELONA", ocupava a fachada de uma casinha velha, a porta estilo garagem tinha o desenho da torre de Pisa... alem de ser bom de trocadilho, o proprietário era fera em geografia. O BAR-CELONA era o que pode se esperar de um boteco: velho, meio sujinho, ovos coloridos flutuando no vidro, uma mesa de sinuca torpe, foto oficial da seleção brasileira de 86 (tirada do jornal e com calendário), e sempre três ou quatro velhos tristes, a observar o movimento da rua com olhos de boi-no-campo, bebendo Malt 90 em copo de mocotó, com suas barrigas inchadas como grandes sapos. Se existia algo no bar que lembrava a cidade, eram sem duvida os azulejos da parede: quebrados e mal substituídos eram a versão natural dos cacos de Gaudi.

O lugar era lamentável e tristonho, sujo, decadente... daqueles lugares e pessoas que te fazem pensar se algum dia foram jovens, ou se já surgiram no mundo assim. Olhando agora, por outro lado, alguém poderia dizer que o BAR-CELONA é muito conceitual, "botecao clássico", muito estiloso. Então alguém poderia se interessar em usar o lugar como cenário de editorial de moda, modelos magrelas deitadas encima da mesa de sinuca; um artista encheria a sala com instalações, um designer poderia fotografar as paredes para usar no projeto gráfico de bandinha indie... Mas depois que as luzes fossem embora, a realidade e os velhos sapos voltariam, sentariam nos seus banquinhos e beberiam em silencio o que restou do dia.

Agora vou pra cidade, vejo as ruas velhas, os apartamentos apertados, ouço os comentários sobre "como é conceitual, multietnica, cultural", e fico pensando... Quanto do bar será a cidade? quanto será de verdade? O que os sapos vão pensar de mim?

 

domingo, 18 de março de 2007

Coisas perturbadoras I

Quando li sobre o atentado de 11 de março, em Madrid, me surgiu uma imagem perturbadora, é algo mais ou menos assim:



Beth mastigava um pedaço de bolacha rica em fibras, mas com gosto de isopor de canela, sorvia sem cuidado – fazendo barulhinho – uma caixinha de água de coco, enquanto repassava a pauta da primeira entrevista do dia: um apático grupo de velhinhos que se reunia pra fazer tai chi as 8 horas da manhã. Entraria ao vivo no segundo período de um programa matinal assistido por pessoas sonolentas no café da manhã.

A Combi da produção reduzia num semáforo, quase em frente a estação do trem, quando aconteceu a explosão. Tão forte que fez as poucas pessoas da rua se encolherem, o motorista soltar um pesado palavrão em catalão e Beth arranhar a ponta do nariz com o canudo.

Beth saiu da combi, sem pensar, correu para a entrada da estação. Não foi seu tino de repórter, foi sua curiosidade natural (e por vezes mórbida) quem a fez correr na direção da qual os outros saiam apressados.

A primeira pessoa a falar foi um homem, totalmente pálido, usando um uniforme que lhe otorgava certo ar de autoridade (mas podia ser tanto um policial, quanto um carteiro). “O trem explodiu. Não vá pra lá.” – para Beth isso foi como um convite formal, agora a jornalista falava mais alto e ela cruzou o portal em direção do embarque.

O embarque era surreal: uma chuva de pedacinhos de papel, reboco de parede, lascas de tinta e demais partículas se misturando com a fumaça... silencio de fazer os ouvidos zumbirem em contra-ponto à enorme explosão anterior. A sua frente o que restava de um trem, lembravam costelas retorcidas de uma enorme baleia metálica, montanhas de entulho completavam a disforme paisagem, ora permeada por uma mochila, um pedaço de roupa ou algo que poderia ser um corpo.

Eles estavam lá. Não os reconheceu de imediato, mas estavam... uma mão no meio do entulho, um rosto, vários rostos. Paralisados numa expressão de quem leva uma forte pancada e assim fica – uma surpresa violenta, um susto não concluído.

A mão do câmera em seu ombro a acorda do transe. Era hora de trabalhar, eles tinham um link direto com a emissora, entraria no ar em 30 segundos. – “mas não sei o que está acontecendo.. não sei o que falar..” – não importava, ela só precisava falar algo enquanto as imagens eram transmitidas ao vivo e em primeira mão para os lares de milhares de cidadãos recém despertos, engolindo suas fatias de torrada e suas xícaras de café.

Foi o que fez com muita competência, quase no automático – ela não lembraria depois das palavras que usou. O câmera foi cuidadoso também, registrou as imagens sem mostrar pedaços de corpos ou cenas grotescas. Enquadrou a moça numa grande massa de entulho amorfo. Quando o link fechou cumprimentaram-se: não era todo dia que se está no lugar certo na hora certa. Agora o câmera vai gravar imagens do local para a edição do noticiário da noite e algumas imagens feias, para sua coleção pessoal.

Beth está novamente solitária, no silencio, com a cabeça meio vazia na atmosfera surreal do lugar. Passados não mais de vinte ou trinta segundos da queda do link, algo chama sua atenção, lhe faz voltar pra realidade: uma sacola de papel se arrastando como bicho agonizante - do papel um pequeno celular emerge, tremendo, vibrando, avançando. Ela olha o aparelhinho como quem percebe um inseto enorme e maligno: um celular sem requintes, do mais simples, se esforçando para viver, como ultimo eco de vida do seu dono... então, uma parte de Pour Elise em notas eletrônicas se faz ouvir um pouco mais ao lado, uma mochila desgarrada começa a tocar seqüências de sons de pássaros, acima, da jaqueta de alguém imóvel, nascem toques de telefone antigo, por traz de uma poltrona o mid de uma musica popular: um a um, dezenas de pequenos celulares de diversos formatos, marcas e modelos, começam a tocar numa cacofonia angustiante: vários tipos de sons, varias personalidades – agora mortas – gritando ao mesmo tempo.

Beth fecha os olhos com força, não quer se lembrar que do outro lado de cada celular existe alguém agoniado por uma resposta que não vai receber, não quer perceber que foi ela quem deu a noticia.

Ela fica ali parada, se sentindo pequena. E aos poucos, da mesma forma que começaram, os insistentes sons vão parando... um a um, deixando em seu lugar uma silenciosa agonia.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Pizza toda noite

Se quando eu tinha 10 anos, alguem me falasse que aos 30, ganharia a vida desenhando, almoçaria macdonalds e jantaria pizza todos os dias, dormiria depois das duas e com meu salario poderia comprar um brinquedo novo todos mês...

"esse será o melhor dos mundos!! nao vejo a hora de crescer!"

Publicidade é um lugar estranho para se passar o tempo. Agora tudo o que eu quero é um pequeno enfarte, um susto cardíaco que me permita descansar um pouco... parar pra respirar, ter uma desculpa para trabalhar menos, caminhar mais - "ordens medicas, não posso mais virar noite" - comer comida saudavel, escrever o livrinho que venho mastigando a anos.

"desculpe, ordens medicas.. agora só posso sorrir honestamente, não mais com sarcasmo..."

Mis-en-scene

Sou um extra

Lembra do dia em que você conheceu aquela garota linda na
rodoviaria? ela segurava a mochila com uma expressao infantil - e
divertida - de discreta irritação... você sentou do seu lado,
perguntou alguma coisa e ela sorriu de volta.. lembra? então.. eu era
o cara carregado de malas que aparecia ao fundo, perto da banca de
revistas.

Essa é minha função. Eu sou um extra na vida. Faço parte do cenario,
componho a cena.

No meio do todas as pessoas, em volta... quando alguma coisa acontece
eu estou por perto - nao faço parte.
Ando de lá pra cá, ocupo espaços vazios, sumo e volto como se não
tivesse realmente um motivo ou direção para seguir - e não
tenho mesmo. Você não me percebe, mas sentiria minha falta, eu acho.

Eu não olho para você - extras não podem olhar diretamente para a
cena chave - eu não existo de verdade, quando a cena termina, eu
simplesmente sumo. Não vou pra lugar algum, nao encontro com ninguem,
não realizo coisas, não tenho ideias, sonhos ou objetivos, momentos
alegres ou mesmo tristes. Sou decoração, mis-en-scene.

Certas criaturas, não sei explicar, não serão protagonistas.

domingo, 11 de março de 2007

la vamos nos denovo

de tanto nao postar
esqueci meu password
que posta, nao?